Prezado editorial da Folha,
Chega a ser comovente a nota publicada por vocês na primeira página do jornal de ontem, 27 de setembro do corrente ano. Faz-nos lamentar pelos questionamentos e acusações lançados pelo governo federal e pela candidata do PT sobre o idoneidade do periódico. E, por outro lado, alegra-nos por ter um órgão de imprensa batalhando por nós, população civil, tão distante do poder e, na mesma proporção, afetados pelas decisões governamentais.
Um belo discurso. Porém, não correspondendo à verdade, perde qualquer valor de beleza e torna-se cínico.
Vocês se dizem de orientação “independente, plural e apartidária”. Pois vejamos. Apartidarismo significaria que vocês não teriam preferências nesse pleito eleitoral. Significa que vocês seriam tão críticos às candidaturas de tucanos e petistas. Que investigariam inconsistências e falhas administrativas em gestões de ambos partidos com o mesmo destaque.
Ora, não é o que presenciamos. Sempre que há um ataque ao governo do PT tal nota ocupa a primeira página da Folha, geralmente com um texto confuso que deixe evidente uma possível “culpa da Dilma”. Já o governo de São Paulo, há quase duas décadas nas mãos de peessedebistas, segue imaculado. As notas negativas, quando surgem, ocupam páginas de destaque inferior. Aliás, a referida nota alerta para o risco de “enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras”. Segundo vocês, é aí que a “imprensa independente” se faz necessária, sendo combativa. Acredito que as sucessivas vitórias tucanas no governo paulista e prefeitura paulistana configurem essa “onda eleitoral avassaladora” (lembrando que o atual prefeito do DEM só escancara as profundas raízes de direita liberal nesse estado). E onde estão os questionamentos do jornalismo crítico estadual? No âmbito regional vocês fazem vista grossa? Em Minas Gerais, Aécio Neves tem grau de aprovação talvez superior ao do governo Lula. Também vai se mostrando um excelente cabo eleitoral. Novamente, a Folha trata tal evento com a seriedade que diz ter “apartidariamente”?
Não deixa de ser curioso o jornal referir-se à Dilma como a “candidata oficial”. Ser a candidata do partido atualmente no governo não faz dela mais oficial do que os outros. Serra e Marina Silva, por acaso, são clandestinos? São nessas pequenas operações que observamos o quão apartidários vocês não são.
Isso para não falar das grandes operações. No dia 13 do presente mês, a ombudsman chamou atenção para a onda anti-Dilma do jornal, apelando para denúncias como chamá-la de má administradora por, em algum momento de sua vida, ter tido uma loja que não obteve sucesso. O que não passou despercebido por uma legião de tuiteiros que, tenham certeza, não necessariamente são militantes petistas. Cada vez mais fica difícil acreditar nessa “Folha imparcial”.
A pluralidade pode até ser alegada com razão pelo jornal. Afinal, são tantas as vozes nele que, se nenhuma destoasse, o periódico seria declaradamente um panfleto de direita. Interessante, entretanto, seria uma pluralidade com iguais espaços para todas as partes representadas. Não é o que vemos e o dito acima serve de argumento.
Mas vocês se dizem independentes. Pois, e a receita de anúncios publicitários, não dependem dela? Se não, gostaria de ver o jornal circulando limpo de anunciantes, aumentaria o espaço para textos críticos ou diminuiriam as páginas, o que seria um bem ao meio ambiente. Aliás, não satisfeitos em vender espaços para marcas comerciais, vocês também aceitam candidatos políticos como anunciantes. Nas mesmas páginas que se julgam imparciais na análise do pleito eleitoral, vemos candidatos que podem pagar pelo espaço, entre eles bizarrices como Ricardo Salles. Este, diz-se único “jovem candidato assumidamente de direita liberal no cenário político brasileiro”. Negrita como título um “Chega de PT” e, ao apontar as mazelas que pretende combater, responsabiliza “o Polvo no Poder” por elas. Trocadilho infame que faz referência a Lula, mas, sonoramente, aponta também para o “povo no poder”.
A Folha é um grande órgão de imprensa, conta com um respeitável patrimônio, o mesmo se estendendo aos que a dirigem. Manter essa posição e até mesmo crescer, diretrizes de toda empresa, faz necessário alianças, numa postura que colabore nesse sentido. Vocês não são independentes pois, no mínimo, estão atrelados a essa visão empresarial que, inclusive, pode ser favorecida por determinadas correntes que cheguem ao poder. Independente, prezado editorial, sou eu: pobre, estudante, que não estou ganhando centavo algum para enviar-lhes esse email. Pelo contrário, estou abdicando de um tempo que seria investido em estudos.
Fazer jornalismo crítico é, sim, importante. Denunciar irregularidades é um grande serviço que o jornal faz à comunidade. Só que não vale fazer isso num sistema de pesos e medidas irregular. Tampouco empenhar-se em investigações comprometedoras somente em períodos chaves de disputas eleitorais. O patrimonialismo, presente no caso Erenice, é uma chaga nacional que remonta à era colonial. Deve ser combatido em todas as esferas políticas, do gabinete presidencial à repartição pública de bairro. E em todas as gestões. O quanto a Folha tem averiguado se o governo tucano de São Paulo é realmente imaculado? Se encontrasse algo, qual seria o destaque?
Eu poderia mencionar a comparação ridícula feita por Clóvis Rossi, também no último domingo, entre as eleições brasileiras e venezuelanas. Aliás, o próprio corpo do texto não colaborou com o título sensacionalista. Se estivéssemos na Venezuela, prezados editores, a Folha já seria estatal, pois lá estariam, há muito, enquadrados como golpistas. São realidades diferentes, não há como comparar.
Encerro meu email lembrando que, se o discurso da nota editorial de ontem não for cínico, então algum Anel de Nibelungos possuiu o corpo editorial da Folha. Pois o dito ali não corresponde à postura do jornal. Lamento o teor crítico da minha mensagem, mas como você dizem atuar assim, acho que não vou ofendê-los. Seguramente não é minha vontade.
Atenciosamente,