sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Notas sobre o fim do armagedon

Enfim, o fim. Terminou o combate eleitoral e, enquanto muitos já comemoram o espaço da propaganda eleitoral devolvido às tvs, é importante observar o que enxergamos com o baixar da poeira. Poeira quase similar a de um conflito nuclear. E que expõe ruínas. Essas eleições precisam ser lembradas, até para termos a esperança que algo similar não mais ocorra. Pois um debate político como o que tivemos precisa ser repudiado por todos.
Não mais podemos tolerar a mobilização de temas religiosos, obscurantistas e de caráter preconceituoso sendo utilizados numa eleição. A candidata eleita sofreu a oposição mais sem fundamentos desde 1989. Quantas vezes não ouvimos alguém dizer que não votaria nela por ser “ex guerrilheira das FARC”, “matar criancinhas”, ser “ditadora antidemocrática”, “incapaz”, ou, simplesmente, por “não ir com a cara dela”? Enquanto houver argumentos assim, não adianta reclamar dos rumos da administração pública. O primeiro a ser displicente com o Estado é o eleitor sem embasamento.
Houve também as críticas contra a corrupção do PT. Críticas muito bem vindas. É bom observar que não há mais espaço o slogan de Maluf, de “rouba, mas faz”. A corrupção, falha humana observada em qualquer repartição pública ou na primeira “oportunidade para fazer o ladrão”, não pode ser tomada sem revolta. Mas tenho pena do eleitor que pensou que a troca da legenda na presidência, substituir PT por PSDB, resolveria algo. Tucanos no governo são um perigo ainda maior de corrupção, afinal a imprensa a vê com mais tolerância quando praticada por gente de quem ela gosta.
Porque, sim, a imprensa é tão passional quanto militantes partidários. Merece uma gargalhada todo momento em que jornalistas se apresentem como neutros. Não são. Os órgãos de imprensa representam interesses, os seus próprios. Não há ética do jornalismo que dispute com a meta de um jornal ser o maior do país, um canal de tv ter a predominância no horário nobre, e, em todos, de se tornar a vitrine mais valiosa aos anunciantes. São órgãos controlados por poucas famílias e que, ao inflamar discursos pela liberdade de imprensa, estão defendendo a liberdade de poucos definirem no que você vai acreditar. Infelizmente, ainda há aqueles que, para se legitimar, citam Diogo Mainardi ou Arnaldo Jabour.
Os mesmos argumentos acima podem ser aplicados às igrejas que atuaram como cabos eleitorais. Predomina o sentimento de retrocesso, já que o Estado brasileiro é laico já há mais de dois séculos. Que padres e pastores tratem de encomendar seus rebanhos ao céu e livrar-se (eles próprios, principalmente) do inferno! Que construam seus imponentes templos, já que encontram quem os financie; que continuem alimentando sua burocracia interna. Se eles forem convincentes em seu discurso, não terão problemas com “desvios cristãos” dos brasileiros, como no caso do aborto. Afinal, foi justamente o candidato “bom moço religioso” cuja esposa “matou criancinha”, ou feto, como melhor entenderem.
A corrida eleitoral precisa ser transparente. Atualmente, as propagandas políticas são alternâncias de ataques aos adversários, gráficos de “quantas casas vamos construir” e hipotéticos aumentos do salário mínimo. O PSDB não fala da quedinha deles por privatizações, por exemplo.
Também vale destaque a impressionante votação da candidata Marina Silva, do PV. Mostrou algo importante, que é um bom número de eleitores que quer mais do que duas opções. Porém, também revela um infantil sentimento de ser “do contra”. Pessoas seduzidas pela bandeira pop do momento, a sustentabilidade (não fizeram um festival de música com esse mote?) e que, por ela, não foram críticos o suficiente para perceber a ausência de propostas sólidas na candidatura do PV.
Por fim, a vitória da Dilma. A opção da maioria pela manutenção das políticas que vem funcionando economicamente e proporcionado mais dignidade para a vida de brasileiros miseráveis. Pois o Brasil está, sim, mudando. Sem falsas ilusões, mas é preciso observar que nossa história de séculos de riquezas acumuladas por uma minoria pode ser menos brutal daqui para frente. Quando filhinhos de papai tucanos aparecem desferindo comentários preconceituosos aos nordestinos (onde Dilma teve expressiva votação), é justamente esse conflito que transparece. Imbecis que já tem de tudo ridicularizando aqueles que votam para ter um mínimo.
É isso, amigos, o que está em jogo nas eleições. Não é qual o candidato mais beato, o mais bonito ou o mais tranqüilo.

Um comentário:

  1. Velho, só discordo de você em um aspecto: acho que as igrejas, pastores e padres tem que fazer campanha para os candidatos que preferem, assim como a imprensa faz. Todos devemos nos engajar de alguma forma em alguma coisa que nos faça pensar. Concordando ou não, isso despertou em muitas pessoas um sentimento de responsabilidade política que não se via em certas camadas da população. O debate religioso, porém, descambou para acusações e depois para a mais completa baixaria. Só existe uma solução para os picaretas de qualquer natureza, setor ou classe social: educação de verdade, ou de qualidade, o que for. Enquanto a maioria for deseducada, são estes discursos e campanhas que vão fazer sucesso. Não falo de instrução, mas de educação.

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