quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O segredo, à sete chaves, de Minas

No livro “O Segredo de Minas”, o historiador Amílcar Martins Filho desenvolve a tese de que o poder de Minas Gerais na República Velha se daria pela habilidade de seus políticos desenvolverem articulações e atuarem independente de interesses econômicos. Através de diversos dados e tabelas, o autor demonstra que a característica do político mineiro é a facilidade em negociar.
Hoje, certamente as negociações continuam presentes. Mas o segredo para o sucesso de nossos mais aclamados políticos parace ser outro: o segredo, mesmo. Depois de gestões instáveis no governo do estado, com Eduardo Azeredo e Itamar Franco, Aécio Neves inaugurou uma era tucana em Minas Gerais que parece cada vez mais próxima de uma total aprovação popular. E, afinal, qual o motivo de tanto sucesso? O neto de Tancredo foi tão bom governador assim, para ser fundamental nas eleições de Márcio Lacerda, na prefeitura da capital, Antônio Anastásia, no executivo do estado, e da coligação para o senado, dele próprio com o octogenário Itamar?
É muito fácil encontrar pelas ruas os defensores da gestão de Aécio Neves e de seus derivados, mas é complicado encontrar quem argumente o porquê da defesa. Fala-se no “choque de gestão”, manobra administrativa que equilibrou as contas do estado. Porém, não se esclarece que essa foi uma artimanha que englobou receitas. como as do Ipsemg. para dar “efeito azul” nas contas mineiras. Diz-se da educação, que agora tem nove anos no ensino fundamental. Entretanto, fica esquecido que se trata da oficialização do já existente pré-escolar como um ano letivo. Estufa-se o peito para enumerar as obras que minam a capital mineira, mesmo que uma chuva deixe tudo mais caótico do que ficava antes. Sem falar que o transporte coletivo urbano continua refém das empresas de ônibus...
Mas em Minas, o que não é positivo sobre o governo fica em sigilo. Inúmeras manifestações populares, como de professores e outros funcionários públicos, são ignoradas pela imprensa. Nesse exato momento, diversas famílias estão sendo desalojadas e tal operação é feita no maior silêncio. Produz-se o mito do bom governador, neto do presidente da redemocratização, que emula a habilidade de Juscelino Kubitscheck e tem a imagem moderna de Oscar Niemeyer. E não sobra espaço para questionamentos.
Porque, acima de tudo, a mídia em Minas Gerais é fraca. Em vez de compor com Rio e São Paulo uma “trinca do poder” no Brasil, a imprensa aqui prefere tratar o estado com ar provinciano. Nada crítica, tampouco independente, fica conivente ao “mito Aécio”.
E, se a mídia é inoperante, o marketing em torno do agora senador eleito é o inverso. Aproveita do ar jovial do político e apaga os aspectos controversos de sua personalidade. Assim, mesmo as denúncias sobre aqueles supostos hábitos de Aécio, nada aceitáveis para um político, não ganham força diante da tamanha exaltação de sua figura. Se o jornalismo aqui fosse sério, ele já teria sido confrontado sobre esses boatos, mesmo que para negá-los.
Dessa maneira, resta a conclusão de que o atual segredo de Minas não é nada político e segue a lógica estética da maquiagem: com algum pó-de-arroz ficam escondidos o que não se quer mostrar e, com outros produtos, são realçados o que vai parecer bonito na foto. Nessa lógica, estão garantidos mais alguns anos de PSDB no governo de MG. E também a certeza de quê, nos próximos anos, o “mito Aécio” vai expandir-se nacionalmente. Tentarão transformar o Brasil em Minas Gerais.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Notas sobre o fim do armagedon

Enfim, o fim. Terminou o combate eleitoral e, enquanto muitos já comemoram o espaço da propaganda eleitoral devolvido às tvs, é importante observar o que enxergamos com o baixar da poeira. Poeira quase similar a de um conflito nuclear. E que expõe ruínas. Essas eleições precisam ser lembradas, até para termos a esperança que algo similar não mais ocorra. Pois um debate político como o que tivemos precisa ser repudiado por todos.
Não mais podemos tolerar a mobilização de temas religiosos, obscurantistas e de caráter preconceituoso sendo utilizados numa eleição. A candidata eleita sofreu a oposição mais sem fundamentos desde 1989. Quantas vezes não ouvimos alguém dizer que não votaria nela por ser “ex guerrilheira das FARC”, “matar criancinhas”, ser “ditadora antidemocrática”, “incapaz”, ou, simplesmente, por “não ir com a cara dela”? Enquanto houver argumentos assim, não adianta reclamar dos rumos da administração pública. O primeiro a ser displicente com o Estado é o eleitor sem embasamento.
Houve também as críticas contra a corrupção do PT. Críticas muito bem vindas. É bom observar que não há mais espaço o slogan de Maluf, de “rouba, mas faz”. A corrupção, falha humana observada em qualquer repartição pública ou na primeira “oportunidade para fazer o ladrão”, não pode ser tomada sem revolta. Mas tenho pena do eleitor que pensou que a troca da legenda na presidência, substituir PT por PSDB, resolveria algo. Tucanos no governo são um perigo ainda maior de corrupção, afinal a imprensa a vê com mais tolerância quando praticada por gente de quem ela gosta.
Porque, sim, a imprensa é tão passional quanto militantes partidários. Merece uma gargalhada todo momento em que jornalistas se apresentem como neutros. Não são. Os órgãos de imprensa representam interesses, os seus próprios. Não há ética do jornalismo que dispute com a meta de um jornal ser o maior do país, um canal de tv ter a predominância no horário nobre, e, em todos, de se tornar a vitrine mais valiosa aos anunciantes. São órgãos controlados por poucas famílias e que, ao inflamar discursos pela liberdade de imprensa, estão defendendo a liberdade de poucos definirem no que você vai acreditar. Infelizmente, ainda há aqueles que, para se legitimar, citam Diogo Mainardi ou Arnaldo Jabour.
Os mesmos argumentos acima podem ser aplicados às igrejas que atuaram como cabos eleitorais. Predomina o sentimento de retrocesso, já que o Estado brasileiro é laico já há mais de dois séculos. Que padres e pastores tratem de encomendar seus rebanhos ao céu e livrar-se (eles próprios, principalmente) do inferno! Que construam seus imponentes templos, já que encontram quem os financie; que continuem alimentando sua burocracia interna. Se eles forem convincentes em seu discurso, não terão problemas com “desvios cristãos” dos brasileiros, como no caso do aborto. Afinal, foi justamente o candidato “bom moço religioso” cuja esposa “matou criancinha”, ou feto, como melhor entenderem.
A corrida eleitoral precisa ser transparente. Atualmente, as propagandas políticas são alternâncias de ataques aos adversários, gráficos de “quantas casas vamos construir” e hipotéticos aumentos do salário mínimo. O PSDB não fala da quedinha deles por privatizações, por exemplo.
Também vale destaque a impressionante votação da candidata Marina Silva, do PV. Mostrou algo importante, que é um bom número de eleitores que quer mais do que duas opções. Porém, também revela um infantil sentimento de ser “do contra”. Pessoas seduzidas pela bandeira pop do momento, a sustentabilidade (não fizeram um festival de música com esse mote?) e que, por ela, não foram críticos o suficiente para perceber a ausência de propostas sólidas na candidatura do PV.
Por fim, a vitória da Dilma. A opção da maioria pela manutenção das políticas que vem funcionando economicamente e proporcionado mais dignidade para a vida de brasileiros miseráveis. Pois o Brasil está, sim, mudando. Sem falsas ilusões, mas é preciso observar que nossa história de séculos de riquezas acumuladas por uma minoria pode ser menos brutal daqui para frente. Quando filhinhos de papai tucanos aparecem desferindo comentários preconceituosos aos nordestinos (onde Dilma teve expressiva votação), é justamente esse conflito que transparece. Imbecis que já tem de tudo ridicularizando aqueles que votam para ter um mínimo.
É isso, amigos, o que está em jogo nas eleições. Não é qual o candidato mais beato, o mais bonito ou o mais tranqüilo.