A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) Regional Sul 1 resolveu participar das eleições. Nos últimos dias, recomendou ampla divulgação de um panfleto, intitulado “Apelo a todos os brasileiros e brasileiras”, em que conclama a todos a “votar bem”.
O teor do texto deixa claro o que tal organização considera o bom voto. Embasado em supostas evidências de um aparelhamento do atual governo (e de sua candidata) pela legalização do aborto, a CNBB deixa, bem explícito em suas entrelinhas, que apóia o candidato Serra, da aliança DEM/ PSDB.
É importante ressaltar que eu, particularmente, sou contra o aborto. Porém, questiono qual é a propriedade que a igreja tem para tratar de política nesse momento. A legalização do aborto é UM tema que o governo pode tratar, mas estamos falando do futuro do país. Outros aspectos precisam ser levados em conta.
Será que a CNBB – Regional Sul tem consciência do quão importante é a eleição presidencial? Porque, ao pedir voto para um candidato tomando como argumento SOMENTE a legalização do aborto, os bispos parecem ignorar a complexidade de uma administração federal. Se não entendem da função do governo, imagino que não deveriam, pois, se intrometer.
Trocar a sigla no governo federal, do PT para o PSDB, não é mudar “daqueles que não respeitam os valores cristãos” para “aqueles que respeitam”. Afinal, a análise da grande contribuição do governo Lula ao país, que foi a implementação de políticas voltadas aos setores da população abaixo da linha da miséria, percebe-se uma preocupação com os “irmãos mais pobres”. Não é preciso ser um grande conhecedor da Bíblia para saber que ela trata bastante disso.
Por outro lado, relacionar o PSDB com “valores cristãos” pode ser errôneo. Lembremos que nos tempos em que Fernando Henrique Cardoso foi presidente, o aumento das desigualdades sociais foi flagrante. Significa que, mais do que poucos enriquecendo absurdamente, milhões em condições de extrema miséria. As privatizações, nesse sentido, também não foram nada cristãs, passando para o capital estrangeiro (por preços irrisórios) bens nacionais. “Não roubarás” está nos mandamentos descobertos por Moisés.
Tão grave quanto esse posicionamento claramente parcial da CNBB é seu embasamento exclusivo na legalização do aborto. Porque, ainda ilegal, o aborto é facilmente praticado. Seja pagando determinado montante de dinheiro em clínicas clandestinas, tomando “beberagens” ou fumando compulsivamente, o aborto é acessível a toda mulher que o desejar. Se ele é praticado, falta, sim, amor aos valores cristãos e à vida em gestação – independente da legalização ou não do ato. Os valores cristãos são responsabilidades da educação religiosa, desempenhada pelos catequistas, padres e bispos. Nesse sentido, é uma falha da religião a prática do aborto, uma vez que ela não convence seus fiéis a seguir seus mandamentos.
Não nos esqueçamos que o Estado brasileiro é laico e deve assegurar liberdade para os cidadãos terem suas crenças e religiões, sejam elas quais for, e nada mais. É comum criticarmos o Irã por suas leis que, em nome do Alcorão, desrespeitam os direitos humanos. Ora, se a federação brasileira se guiar pelas normas do catolicismo (ou do protestantismo) teremos aqui outro estado fundamentalista. Os nossos apedrejados serão os homossexuais, os praticantes de candomblé, os que utilizam métodos anticoncepcionais, os divorciados e tantos outros que não se enquadram no texto (e na interpretação oficial) da Bíblia.
Tem-se a noção, nesse texto, de que a Igreja Católica é formada por diversas correntes e, no limite, diversos indivíduos. O que não pode ser admitido é que setores tão de direita utilizem a autoridade religiosa para tratar de assuntos políticos, tão exteriores a ela. Vem bem fácil à mente outras ocasiões em que a setores da Igreja tomaram partido de determinadas correntes políticas: apoiando ditaduras pela América Latina, governos autoritários na Europa e fazendo vista grossa ao extermínio de judeus pelo nazismo, para citar alguns exemplos. Mesmo um envolvimento religioso positivo na política, quando padres, sob a luz da teologia da libertação, batalharam contra a opressão de povos no mundo subdesenvolvido, foi eliminado pelo Vaticano.
É preciso que a legalização ou não do aborto seja discutida, mas não com finalidade eleitoreira. Não é um governo que destruirá os “valores cristãos”. Mas estes, por sua vez, podem destruir a seriedade do debate político.
Parabéns Luis !!! Tema ótimo que vc abordou!
ResponderExcluirTbm acho que a CNBB está reduzindo a eleição a algo que nao deveria ser discutido dessa forma, nesse momento.Sou a favor da Legalização mas acho que esse assunto não deve ser confundido com religiao nesse momento do voto! Nosso estado é Laico e a eleição de um Presidente é algo mt serio! Lembrando q a Igreja é contra o aborto até em casos onde a mulher foi violentada e o Serra enquanto Ministro da Saúde assinou medidas pra se cumprir a lei (corretamente) nesses casos específicos. N seria justo votar somente baseado nesse aspecto.
Adorei o texto, mesmo!!
Poli.
Pior do que o posicionamento da Igreja e o fato dela se achar capaz de interferir no processo eleitoral, é o fato de candidatos darem uma atenção desproporcional à religião em suas campanhas. Serra assinou a lei, excelente, mas agora ele diz não ser a favor do aborto? Se esses candidatos precisam de alguma fé, é a fé nas suas próprias idéias e não apenas na campanha cega em busca de votos.
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