domingo, 13 de março de 2011

A Copa das pernas tortas

Dizia-se dos dribles de Garrincha que eles rompiam com a simples racionalidade. O marcador sabia que ele tentaria driblá-lo, para qual lado o jogador das pernas tortas sairia com a bola e, mesmo assim, não conseguia desarmá-lo. Era previsível e, mesmo assim, inevitável.

Quando foi anunciado que o Brasil seria a sede da Copa do Mundo de 2014, deu-se algo semelhante. Todos sabíamos das atrocidades com dinheiro público que seriam feitas, dos atrasos, das manobras políticas... e, mesmo assim, parece que a única coisa a se fazer é segurar um cartaz escrito “Eu já sabia”. Pois, há pouco mais de três anos do evento, o quadro pessimista vai se desenhando tal qual imaginado.

É legítimo o Brasil receber o maior evento futebolístico. O país é a maior potência do esporte, a população tem devoção por ele e a seleção brasileira é, certamente, uma das maiores instituições esportivas. Nossa posição de “paraíso turístico” também reforça o interesse do enorme evento em acontecer por aqui.

Entretanto, há a questão ética de nossa política. Temos um problema cultural, a incapacidade dos políticos em separar o público do privado. As múmias de terno que elegemos, por menos mal intencionadas que estejam, não demoram a ceder à tentação de buscar um enriquecimento maior do que o salário e os benefícios que recebem permitem. O que já não é pouco. E isso já tem mais de sete décadas que Sérgio Buarque de Hollanda teorizou e, desde então, inúmeras as releituras que se fazem acerca do patrimonialismo no Brasil. Porém, a reação aos escândalos de corrupção, em geral, continua a mesma: revolta, mas logo sufocada pela apatia.

Infelizmente, eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 são prato cheio para políticos, empreiteiros, multinacionais e uma porção de outros interessados na farra do dinheiro público. E, a despeito disso tudo, sabemos que a outra festa, a oficial, será bonita, vai encher os olhos dos gringos e dos ufanistas. O custo, porém, nem todos vão ver. O país pode até lucrar com uma melhor estruturação de algumas capitais. Mas ainda será um enorme montante de dinheiro do qual nenhum centavo será aplicado em mudanças sociais.

E quando você estiver assistindo a abertura da Copa, com show da Ivete Sangalo ou coisa do tipo, tente lembrar da vista grossa que as políticas públicas e a sociedade têm para com milhões de desclassificados que perambulam, invisíveis, por todo o país. Lembre da educação estatal, das cidades com esgoto a céu aberto, das populações indígenas sendo expulsas de suas terras já limitadas,d a lentidão judiciária, dos altos e mal aplicados impostos... Lembre de como tudo isso que eu digo aqui é manjado. Só que, como um drible do Garrincha, apesar da previsibilidade, nós ainda somos enganados. Inevitavelmente.

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